quarta-feira, 30 de abril de 2014

Desenvolvimento sustentável: qual a estratégia para o Brasil?

Vários componentes de uma estratégia de desenvolvimento sustentável podem ser encontrados em políticas governamentais, em práticas levadas adiante por empresas privadas e nos trabalhos de inúmeras organizações da sociedade civil brasileira. Estas partes, entretanto, estão longe de formar um todo coerente, o que lhes retira justamente o alcance estratégico. Desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas dos indivíduos em condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos ecossistemas às sociedades humanas. Ele é formado por uma infinidade de fatores determinantes, mas cujo andamento depende, justamente, da presença de um horizonte estratégico entre seus protagonistas decisivos. O que está em jogo nesse processo é o conteúdo da própria cooperação humana e a maneira como, no âmbito dessa cooperação, as sociedades optam por usar os ecossistemas de que dependem.





As conquistas recentes na luta contra a pobreza, no Brasil, padecem de dois problemas fundamentais: de um lado, apesar da redução na desigualdade de renda, persistem as formas mais graves de desigualdade no acesso à educação, à moradia, a condições urbanas dignas, à justiça e à segurança. Além disso, os padrões dominantes de produção e consumo apoiam-se, sistematicamente, num processo acelerado de degradação ambiental muito mais vigoroso do que o poder da legislação voltada à sua contenção. Pior: o Brasil não está se aproximando da marca dominante da inovação tecnológica contemporânea, cada vez mais orientada a colocar a ciência a serviço de sistemas produtivos altamente poupadores de materiais, de energia, e capazes de contribuir
para a regeneração da biodiversidade.
Este texto apresenta dois exemplos em que os significativos progressos dos últimos anos são ameaçados pela ausência do horizonte estratégico voltado ao desenvolvimento sustentável, tanto por parte do governo como das direções empresariais: de um lado a redução no desmatamento da Amazônia não é acompanhada por mudança no padrão dominante de uso dos recursos. Assim, apesar da contenção da devastação florestal,prevalece entre os agentes econômicos a ideia central de que a produção de commodities (fundamentalmente carne, soja e madeira de baixa qualidade), minérios e energia é a vocação decisiva da região. Além disso, ao mesmo tempo em que se reduz o desmatamento na Amazônia, amplia-se de maneira alarmante a devastação do cerrado e da caatinga. De outro lado, o segundo exemplo aqui apresentado mostra que o trunfo representado pela matriz energética brasileira não tem sido aproveitado para a construção de avanços industriais norteados pela preocupação explícita em reduzir o uso de materiais e de energia nos processos produtivos. A consequência e o risco é que o crescimento industrial brasilei­ro — ainda que marcado por emissões relativamente baixas de gases de efeito estufa — se distancie do padrão dominante da inovação contemporânea, cada vez mais orientada pela descarbonização da economia.


Ricardo Abramovay - professor titular do Departamento de Economia da FEA/USP e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESA).

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