James
Lovelock, renomado cientista, diz que o aquecimento global é
irreversível - e que mais de 6 bilhões de pessoas vão morrer neste
século
Por Por Jeff Goodell
Aos 88 anos, depois de quatro filhos e uma carreira longa e
respeitada como um dos cientistas mais influentes do século 20, James
Lovelock chegou a uma conclusão desconcertante: a raça humana está
condenada. "Gostaria de ser mais esperançoso", ele me diz em uma manhã
ensolarada enquanto caminhamos em um parque em Oslo (Noruega), onde o
estudioso fará uma palestra em uma universidade. Lovelock é baixinho,
invariavelmente educado, com cabelo branco e óculos redondos que lhe dão
ares de coruja. Seus passos são gingados; sua mente, vívida; seus
modos, tudo menos pessimistas. Aliás, a chegada dos Quatro Cavaleiros do
Apocalipse - guerra, fome, pestilência e morte - parece deixá-lo
animado. "Será uma época sombria", reconhece. "Mas, para quem
sobreviver, desconfio que vá ser bem emocionante."
Na visão de Lovelock, até 2020, secas e outros extremos climáticos
serão lugar-comum. Até 2040, o Saara vai invadir a Europa, e Berlim será
tão quente quanto Bagdá. Atlanta acabará se transformando em uma selva
de trepadeiras kudzu. Phoenix se tornará um lugar inabitável, assim como
partes de Beijing (deserto), Miami (elevação do nível do mar) e Londres
(enchentes). A falta de alimentos fará com que milhões de pessoas se
dirijam para o norte, elevando as tensões políticas. "Os chineses não
terão para onde ir além da Sibéria", sentencia Lovelock. "O que os
russos vão achar disso? Sinto que uma guerra entre a Rússia e a China
seja inevitável." Com as dificuldades de sobrevivência e as migrações em
massa, virão as epidemias. Até 2100, a população da Terra encolherá dos
atuais 6,6 bilhões de habitantes para cerca de 500 milhões, sendo que a
maior parte dos sobreviventes habitará altas latitudes - Canadá,
Islândia, Escandinávia, Bacia Ártica.
Até o final do século, segundo o cientista, o aquecimento global fará
com que zonas de temperatura como a América do Norte e a Europa se
aqueçam quase 8 graus Celsius - quase o dobro das previsões mais
prováveis do relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre a
Mudança Climática, a organização sancionada pela ONU que inclui os
principais cientistas do mundo. "Nosso futuro", Lovelock escreveu, "é
como o dos passageiros em um barquinho de passeio navegando
tranqüilamente sobre as cataratas do Niagara, sem saber que os motores
em breve sofrerão pane". E trocar as lâmpadas de casa por aquelas que
economizam energia não vai nos salvar. Para Lovelock, diminuir a
poluição dos gases responsáveis pelo efeito estufa não vai fazer muita
diferença a esta altura, e boa parte do que é considerado
desenvolvimento sustentável não passa de um truque para tirar proveito
do desastre. "Verde", ele me diz, só meio de piada, "é a cor do mofo e
da corrupção."
Se tais previsões saíssem da boca de qualquer outra pessoa, daria
para rir delas como se fossem devaneios. Mas não é tão fácil assim
descartar as idéias de Lovelock. Na posição de inventor, ele criou um
aparelho que ajudou a detectar o buraco crescente na camada de ozônio e
que deu início ao movimento ambientalista da década de 1970. E, na
posição de cientista, apresentou a teoria revolucionária conhecida como
Gaia - a idéia de que nosso planeta é um superorganismo que, de certa
maneira, está "vivo". Essa visão hoje serve como base a praticamente
toda a ciência climática. Lynn Margulis, bióloga pioneira na
Universidade de Massachusetts (Estados Unidos), diz que ele é "uma das
mentes científicas mais inovadoras e rebeldes da atualidade". Richard
Branson, empresário britânico, afirma que Lovelock o inspirou a gastar
bilhões de dólares para lutar contra o aquecimento global. "Jim é um
cientista brilhante que já esteve certo a respeito de muitas coisas no
passado", diz Branson. E completa: "Se ele se sente pessimista a
respeito do futuro, é importante para a humanidade prestar atenção."
Lovelock sabe que prever o fim da civilização não é uma ciência
exata. "Posso estar errado a respeito de tudo isso", ele admite. "O
problema é que todos os cientistas bem intencionados que argumentam que
não estamos sujeitos a nenhum perigo iminente baseiam suas previsões em
modelos de computador. Eu me baseio no que realmente está acontecendo."
Quando você se aproxima da casa de Lovelock em Devon, uma área rural
no sudoeste da Inglaterra, a placa no portão de metal diz, claramente:
"Estação Experimental de Coombe Mill. Local de um novo hábitat. Por
favor, não entre nem incomode".
Depois de percorrer algumas centenas de metros em uma alameda
estreita, ao lado de um moinho antigo, fica uma casinha branca com
telhado de ardósia onde Lovelock mora com a segunda mulher, Sandy, uma
norte-americana, e seu filho mais novo, John, de 51 anos e que tem
incapacidade leve. É um cenário digno de conto de fadas, cercado de 14
hectares de bosques, sem hortas nem jardins com planejamento
paisagístico. Parcialmente escondida no bosque fica uma estátua em
tamanho natural de Gaia, a deusa grega da Terra, em homenagem à qual
James Lovelock batizou sua teoria inovadora.
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